DIRETRIZES NACIONAIS SOBRE EMPRESAS E DIREITOS HUMANOS
– Comentários sobre o Decreto nº 9.571. de 21 de novembro de 2018, que estabelece as Diretrizes Nacionais sobre Empresas e Direitos Humanos –
Por Luís Rodolfo Cruz e Creuz
Foi publicado o Decreto nº 9.571/2018, que estabelece as Diretrizes Nacionais sobre Empresas e Direitos Humanos (“Diretrizes”), para médias e grandes empresas, incluídas as empresas multinacionais com atividades no País. A norma faculta (Art. 1º), ainda, nos termos do disposto na LC nº 123, de 14/12/2006, às microempresas e as empresas de pequeno porte, na medida de suas capacidades, a possibilidade de cumprir as Diretrizes de que trata o Decreto, observado o disposto no art. 179 da Constituição.
A novel legislação estabelece que as Diretrizes tem natureza facultativa, ou seja, podem ser implementadas voluntariamente pelas empresas, sendo que aquelas que efetivarem adesão poderão receber o selo “Empresa e Direitos Humanos”, destinado àquelas que voluntariamente implementarem as Diretrizes. Este selo deverá ser, ainda, instituído por ato de Ministro de Estado.
Mas a norma, muito mais do que simples normativa principiológica, visa efetivamente alocar direitos e deveres tanto para a esfera pública quanto privada. Ao Estado atribui diversas obrigações de fomento, divulgação e cobrança de cumprimento de normas e diretrizes de direitos humanos. Para as empresas, são criadas inúmeras novas obrigações e regras para acompanhamento e cumprimento da responsabilidade social e de direitos humanos.
A norma tem as seguintes orientações: a) obrigação do Estado com a proteção dos direitos humanos em atividades empresariais; b) responsabilidade das empresas com o respeito aos direitos humanos; c) acesso aos mecanismos de reparação e remediação para aqueles que, nesse âmbito, tenham seus direitos afetados; e d) implementação, o monitoramento e a avaliação das Diretrizes (Art. 2º).
São pautadas diversas orientações e condutas relacionadas à responsabilidade do Estado com a proteção dos direitos humanos em atividades empresariais, todas elencadas no art. 3º da norma, dentre as quais podemos destacar: a) capacitação dos recursos humanos da administração pública para o tratamento das violações aos direitos humanos em contexto empresarial, de seus riscos e de seus impactos, b) implementação de políticas, normas e incentivos à conduta das empresas quanto aos direitos humanos, até mesmo por meio de estímulo ao estabelecimento de canais de denúncia para os colaboradores, os fornecedores e a comunidade; c) desenvolvimento de políticas públicas e realização de alterações no ordenamento jurídico; d) orientação da incorporação dos direitos humanos à gestão de riscos de negócios e de parcerias que venha a estabelecer, de modo a subsidiar processos decisórios; e f) promoção e apoio às medidas de inclusão e de não discriminação, com criação de programas de incentivos para contratação de grupos vulneráveis.
O Decreto estabelece entre os arts. 4º e 12 regras e condicionantes para responsabilidade das empresas com respeito aos direitos humanos. As empresas devem respeito aos direitos humanos protegidos nos tratados internacionais dos quais o seu Estado de incorporação ou de controle sejam signatários; e aos direitos e às garantias fundamentais previstos na Constituição Federal. Às empresas é estabelecida a responsabilidade de não violação dos direitos de sua força de trabalho, de seus clientes e das comunidades, mediante o controle de riscos, bem como o dever de enfrentar os impactos adversos em direitos humanos com os quais tenham algum envolvimento (Art. 9º).
Nesta esteira, compete às empresas, a) monitoramento do respeito aos direitos humanos em sua cadeia produtiva vinculada; b) divulgação interna dos instrumentos internacionais, tais como: (i) Princípios Orientadores sobre Empresas e Direitos Humanos da ONU; (ii) Diretrizes para Multinacionais da OCDE; e (iii) Convenções da OIT; c) atividades educativas em direitos humanos para seus recursos humanos e colaboradores; d) utilização de mecanismos de educação, de conscientização e de treinamento, para que seus dirigentes, empregados, colaboradores, e até terceiros conheçam os valores, as normas e as políticas da empresa; e e) redação de um código de conduta publico, da alta administração da empresa, com engajamentos e políticas de direitos humanos (Art. 5º). Estes pontos podem implicar forte responsabilização da empresa. Isso porque, por exemplo, o monitoramento do respeito aos direitos humanos na cadeia produtiva vinculada à empresa, além de envolver uma responsabilidade indefinida (monitorar), pode implicar uma longa cadeira de terceiros, com os quais a empresa não necessariamente possui ingerência, ou mesmo não tem qualquer poder de investigação ou força, seja por estar em outra jurisdição / país, seja por ser um fornecedor global e a empresa representar uma pequena parcela no todo.
Devem as empresas garantir condições decentes de trabalho, por meio de ambiente produtivo, com remuneração adequada, em condições de liberdade, equidade e segurança, com diversas iniciativas estabelecidas no Art. 7º. A norma fixa, inclusive, que as medidas de prevenção e precaução a violações aos direitos humanos devem ser adotadas em toda a cadeia de produção dos grupos empresariais (o que carece de indicação se envolverá terceiros ou não).
As empresas devem combater a discriminação nas relações de trabalho, valorizar e respeitar a diversidade em suas áreas e hierarquias (Art. 8º) e identificar os riscos de impacto e a violação a direitos humanos, com ações de prevenção e controle adequadas e efetivas (Art. 9º), e devem estabelecer mecanismos operacionais de denúncia e de reclamação que permitam identificar os riscos e os impactos e reparar as violações (Art. 10). Devem, ainda, adotar medidas de garantia de transparência ativa, com divulgação de informações relevantes, de documentos acessíveis às partes interessadas, quanto aos mecanismos de proteção de direitos humanos e de prevenção e de reparação de violações de direitos humanos na cadeia produtiva (Art. 11), além de adotar iniciativas para a sustentabilidade ambiental (Art. 12).
No tocante aos mecanismos de reparação e remediação, a regulação estabelece que deve o Estado manter mecanismos de denúncia e reparação judiciais e não judiciais existentes e seus obstáculos e lacunas legais, práticos e outros que possam dificultar o acesso aos mecanismos de reparação, de modo a produzir levantamento técnico sobre mecanismos estatais de reparação das violações de direitos humanos relacionadas com empresas (Art. 13). Tais mecanismos incluem desde a capacitação de recursos humanos, assistência e informações, em linguagem clara, para as pessoas que queiram exigir seus direitos a partir do acesso e do uso de mecanismos de denúncia e reparação judiciais e extrajudiciais, até o incentivo da adoção por parte das empresas e a utilização por parte das vítimas, de medidas de reparação como: a) compensações pecuniárias e não pecuniárias; b) desculpas públicas; c) restituição de direitos; e d) garantias de não repetição. Inclusive, compete à administração pública a iniciativa de incentivar que as empresas estabeleçam ou participem de mecanismos de denúncia e reparação, que permitam propor reclamações e reparar violações dos direitos humanos relacionadas com atividades empresariais (Art. 14).
Para a implementação, o monitoramento e a avaliação das Diretrizes (Art. 16 e ss.), a Administração Pública, por meio do Ministério dos Direitos Humanos, instituirá o Comitê de Acompanhamento e Monitoramento das Diretrizes Nacionais sobre Empresas e Direitos Humanos, com tais atribuições. Ato do Ministro de disporá sobre as regras e os procedimentos de seleção das entidades que representaram a sociedade civil no referido Comitê (Art. 18).
Por fim, na esteira das obrigações trazidas pelo novo Decreto Federal, lembramos que para termos uma sociedade mais justa e mais humana é imprescindível assegurar “os valores fundamentais da dignidade humana e da liberdade” tutelando os direitos e valores ”de forma justa e igualitária” (FRAGOSO, Heleno Cláudio. Ciência e Experiência do Direito Penal. pág. 12.)
Se você gostou deste artigo, por favor considere compartilhá-lo!
_______________
Luís Rodolfo Cruz e Creuz, Sócio de Cruz & Creuz Advogados. Doutorando em Direito Comercial pela Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo – USP; Mestre em Relações Internacionais pelo Programa Santiago Dantas, do convênio das Universidades UNESP/UNICAMP/PUC-SP; Mestre em Direito e Integração da América Latina pelo PROLAM – Programa de Pós-Graduação em Integração da América Latina da Universidade de São Paulo – USP; Pós-graduado em Direito Societário – LLM – Direito Societário, do INSPER (São Paulo); Bacharel em Direito pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo – PUC/SP. E-mail: E-mail: E-mail: luis.creuz@lrcc.adv.br / @LuisCreuz
Autor do livro “Acordo de Quotistas – Análise do instituto do Acordo de Acionistas previsto na Lei 6.404/1976 e sua aplicabilidade nas Sociedades Limitadas à Luz do Novo Código Civil brasileiro, com contribuições da Teoria dos Jogos”. São Paulo : IOB-Thomson, 2007.Co-Autor do livro “Organizações Internacionais e Questões da Atualidade”, organizada por Jahyr-Philippe Bichara. Natal, RN : EDUFRN, 2011 (ISBN 978-85-7273-722-7) sendo autor do Capítulo Organizações Internacionais e a Integração Econômica: Revisões de Uma Teoria Geral, págs. 67 à 101. – Autor do livro “Commercial and Economic Law in Brazil”. Holanda: Wolters Kluwer – Law & Business, 2012. Autor do livro “Defesa da Concorrência no Mercosul – Sob uma Perspectiva das Relações Internacionais e do Direito”. São Paulo : Almedina, 2013. Co-Autor do livro “Direito dos Negócios Aplicado – Volume I – Do Direito Empresarial”, coordenado por Elias M de Medeiros Neto e Adalberto Simão Filho, São Paulo : Almedina, 2015, sendo autor do Capítulo “Acordo de Quotistas aplicado aos Planejamentos Sucessórios”. Coautor do livro “Direito Empresarial Contemporâneo – Uma visão bilateral entre Brasil e Portugal”, Brasil : 2018, sendo autor do Capítulo “Aquisição de Software e a Utilização de Cópias em Número Superior ao Contratado – Breve estudo sobre a contratação e aquisição de software e sua utilização irregular por meio de copias indevidas”. Coautor do livro “Temas Contemporâneos de Direito Administrativo Econômico da Infraestrutura e Regulatório”, Brasil : 2018, sendo autor do Capítulo “Definição do Mercado Relevante na Análise Antitruste em um Bloco Econômico Regional”
Se você gostou deste artigo, por favor considere compartilhá-lo!
© 2019. Direitos autorais reservados exclusivamente a Luís Rodolfo Cruz e Creuz e Cruz & Creuz Advogados.
Comentários