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UMA VISÃO DA CASSAÇÃO DE ATOS ADMINISTRATIVOS

– Breves comentários de entendimentos elementos da extinção –

 Por Luís Rodolfo Cruz e Creuz

O Ato administrativo é a fonte e o limite material da atuação da Administração” – Michel Stassinopoulos

 I. Introdução

Pretendemos aqui, sem aprofundar ou percorrer todos os pontos relacionados, avaliar determinadas nuances da cassação de atos administrativos, que é uma das diversas formas de extinção dos atos administrativos.

 São formas de extinção dos atos administrativos ; (i) retirada; (ii) caducidade; (iii) contraposição ou derrubada; (iv) cassação; (v) renúncia; (vi) recusa; (vii) anulação; (viii) revogação; e (ix) convalidação.

 De inicio, vale rememorar o conceito de ato administrativo, segundo melhor doutrina pátria, dado que é o ato jurídico típico do Direito Administrativo, diferenciando-se das demais categorias de atos juridicamente reconhecidos por seu peculiar regime jurídico. Para Celso Antônio Bandeira de Mello, o ato administrativo é conceituado como a “declaração do Estado (ou de quem lhe faça as vezes – como, por exemplo, um concessionário de serviço público), no exercício de prerrogativas públicas, manifestada mediante providências jurídicas complementares da lei a título de lhe dar cumprimento, sujeitas a controle de legitimidade por órgão judicial.”.

Segundo o mestre Hely Lopes Meireles, é considerado ato administrativo “toda manifestação unilateral de vontade da Administração Pública que, agindo nessa qualidade, tenha por fim imediato adquirir, resguardar, transferir, modificar, extinguir e declarar direitos, ou impor obrigações aos administrados ou a si própria.”. E para Maria Sylvia Zanella Di Pietro, os atos administrativos propriamente ditos constituem a “declaração do Estado ou de quem o represente, que produz efeitos jurídicos imediatos, com observância da lei, sob regime jurídico de direito público e sujeita a controle pelo Poder Judiciário.”.

 Tais atos, para serem válidos e terem efetiva e reconhecida eficácia, devem preencher requisitos necessários à sua formação. Sem a convergência de tais elementos, não se aperfeiçoa o ato administrativo, o qual não terá condições de eficácia para produzir efeitos válidos.

Pontualmente podemos referenciá-los: (i) competência – deve ser realizado validamente por agente que disponha de poder legal para praticá-lo; (ii) finalidade – indicada explícita ou implicitamente pela legislação; (iii) forma – o ato deve revestir-se para ser exteriorizado nos termos exigidos pela legislação vigente, por meio de procedimentos especiais e forma legal; (iv) motivação – situação de direito ou de fato que autoriza a realização do ato administrativo; e (v) objeto – aquele sujeito à ação do Poder Público.

Respeitados tais requisitos, adquirem os atos administrativos cinco principais atributos: (i) presunção de legitimidade – dado que todo ato administrativo é verdadeiro e legítimo; (ii) imperatividade – ato de império, pois são impostos aos particulares sem a necessidade de sua concordância; (iii) exigibilidade – Administração pode exigi-los por bem em sua natureza, e em caso de ação discordante ou infração, aplicar punição por violação da ordem jurídica; (iv) autoexecutoriedade – execução material do ato administrativo; e (v) tipicidade – deriva do princípio da legalidade e determina o respeito à finalidade específica definida na lei para cada espécie de ato administrativo.

 

Em linhas gerais, pode-se apontar que a cassação é a extinção do ato administrativo em função do fato de que o beneficiário do comando / permissão publica descumpriu determinada condição tida como indispensável para a manutenção do ato administrativo originário. Considera-se, assim que houve descumprimento das condições estabelecidas para que o destinatário desfrutasse de certa situação jurídica (p.ex., a cassação de licença para o funcionamento de um clube recreativo que efetivamente atuava como clube de jogos de azar).

Temos, assim, que um ato administrativo tem sua gênese, ingressa, tem sua presença no meio jurídico verificando-se os requisitos formais de existência, validade e eficácia, a assim permanecerá no universo jurídico até que seja verificada eventual situação que demonstre algum vício relacionado à legalidade ou que simplesmente comprove a sua desnecessidade superveniente – ou que de forma geral relacione-se às formas de extinção dos atos administrativos.

E assim, no modelo administrativo burocrático, o controle de atos relacionados à atuação estatal – atividade-meio do Estado – deveria apresentar uma “uniformidade de procedimentos e rígida hierarquia”, pelo que supostamente reduziriam a margem de discricionariedade do gestor público, tornando o interesse público indisponível.

II. Requisitos da cassação dos atos administrativos

É importante frisar desde já um ponto central. Sempre competirá e caberá à Administração Pública o direito de avalia e proceder à cassação de atos administrativos quando para estes deixarem de existir as condições e os requisitos que deveriam ter sido atendidos para que se mantivesse determinada situação jurídica. A cassação como modalidade de extinção do ato administrativo relaciona-se àquele ato que, embora legítimo na sua origem e formação, torna-se ilegal na sua execução.

Vale, inclusive frisar que a determinação de cassação de atos administrativos supera, até mesmo, em tese, a alegação de ofensa a princípios constitucionais, notadamente o direito adquirido e o ato jurídico perfeito. Isto porque não se pode invocar direito adquirido dado que de ato ilegal (o ato que deu origem à cassação do ato administrativo) não decorre qualquer direito.

Esta, inclusive, é lição do Ministro Carlos Maximiliano, para quem “Grangeiam-se unicamente as vantagens e garantias que as normas vigentes permitem e na medida em que o permitem. Não se adquirem direitos contra a lei; de atos irregulares nenhuma utilidade jurídica advém para o seu autor nem para o que dos mesmos colhe ou pretende colher proveito. Quem entra no uso de um interesse ou prerrogativa sem o preenchimento das condições estabelecidas pelas regras positivas em vigor, não pode alegar direito adquirido. O ilícito, o ilegal, o inconstitucional não gera direitos. Não há direito contra o direito.”.

Tanto é verdadeira a afirmação e lição que nossa máxima Corte já em 1969 sumulou a questão, estabelecendo que a “administração pode anular seus próprios atos, quando eivados de vícios que os tornam ilegais, porque dêles não se originam direitos; ou revogá-los, por motivo de conveniência ou oportunidade, respeitados os direitos adquiridos, e ressalvada, em todos os casos, a apreciação judicial”. Até mesmo porque a Administração Pública pode reclamar a nulidade do ato administrativo a qualquer momento, e a qualquer momento pode ser declarada. “la nullità, operando di diritto, pua essere farta valere in ogni tempo e da qualunque persona, anche non interessata, e senza I’osservanza di forme determinate.”.

A cassação de atos administrativos está diretamente relacionada ao fato de que, o ato ao nascer ao mundo jurídico, está de acordo com a legislação e com as situações fáticas apresentadas. Contudo, em determinado momento no tempo a posteriori ou deixa de conter os requisitos legalmente exigidos para sua concessão e/ou manutenção, ou deixa de ser conveniente e oportuno. E sua extinção somente pode ser declarada pela Administração Pública, através de ato forma de extinção (ou modificação, se aplicável ao caso).

Nem se diga que haveria liberdade no reconhecimento do ato a ser cassado. A Administração Pública, por meio de seus agentes, e norteada pelos princípios constitucionais, especialmente o da legalidade, deve, fazendo uso do poder discricionário, praticar atos administrativos na estreita função de seu dever-poder, observada sua competência. E tal discricionariedade, sob pena de ser considerada arbitrária e fora de seu expecto legal, não pode ser exercida fora dos limites estabelecidos pela lei. Inclusive, na lição de José Cretella Júnior, “discrição, ao contrário de arbítrio, é a faculdade de agir ou de não agir, de acordo com uma norma jurídica prévia. Arbítrio é ação antijurídica; discrição é ação jurídica. Se entre múltiplas opções o administrador seleciona, conforme sua vontade, passando por cima da lei, temos o arbítrio; se, entre muitas hipóteses dentro da lei , o administrador seleciona a mais oportuna ou a mais conveniente, temos a discrição.”.

Um dos principais requisitos autorizadores da cassação de um ato administrativo é a necessidade de sua vinculação obrigatória às hipóteses previstas em lei ou norma similar. Assim, decorre desta racio que a Administração Pública não pode “indicar motivos diversos dos previstos para justificar a cassação, estando limitada ao que houver sido fixado nas referidas leis ou normas similares”. Inclusive, este fundamento evita que os particulares sejam obrigados “a conviver com enorme insegurança jurídica, pois, a qualquer momento a administração poderia propor a cassação” do ato administrativo.

Outra característica relaciona-se à sua natureza jurídica, considerada como um ato sancionatório, dado que tecnicamente “a cassação só poderia ser proposta em face de particulares que tenham sido flagrados pelos agentes de fiscalização descumprindo as condições de subsistência do ato”, ou ainda por ato revisional que implicasse auditoria, incluindo até mesmo questões relacionadas a cruzamento de bases de dados públicas.

No tocante à extinção de atos, Hely Lopes Meireles destaca que “expedido o ato negocial vinculado e definitivo, nem por isso fica a administração impedida de extingui-lo, desde que ocorra justo motivo para a sua invalidação.”. Isto acarreta que a Administração Pública “não pode é invalidá-lo sumariamente, sem demonstrar, em procedimento regular e com oportunidade de defesa, a causa de sua extinção, pois que, se para a expedição do ato foram exigidos tantos requisitos, não se compreende que possa esse mesmo ato ser suprimido sumariamente e sem justificativa legal para a sua anulação, cassação ou revogação.”.

Vale, por fim, destacar que cassação e a anulação possuem efeitos parecidos, mas não são sinônimos ou equivalentes. A cassação decorre do não cumprimento ou alteração dos requisitos necessários para a formação ou manutenção de uma situação jurídica, enquanto a anulação tem parte quando se verifica que o defeito do ato ocorreu na origem do ato, em sua formação.

III.        Alguns casos práticos de nossos Tribunais.

É importante ao operador do direito conhecer as razões e modo de decidir dos Tribunais de sua jurisdição. Desta feita, pontuaremos determinados casos práticos.

Por exemplo, temos o benefício público pensão por morte. Primeiro ponto relacionado é que o mesmo tem seu fato gerador na verificação da ocorrência do óbito do segurado, levando à concessão do benefício, que deve levar em conta a legislação vigente à época do óbito.

Na existência de disposição expressa da lei, que determine determinando a extinção da cota de pensão em caso de novas núpcias, esta nova situação trás ao mundo jurídico o efeito direito e imediato cassação do ato e benefício originalmente outorgado. Aliás, nossos tribunais são claros, inclusive, ao determinar que não se sustenta a tese da não extinção da cota de pensão quando não há melhoria, no segundo casamento, da situação sócio-econômica da pensionista. Isto porque é importante rememorar que o benefício previdenciário, via de regra, não tem caráter hereditário. Inclusive, esta é a lição de doutrina de escol: “5. Dicesi pensione indiretta o di riversibilità, in contrapposto alia pensione direta spettante all’impiegato, quella cui possono avere diritto componenti la sua famiglia, quando egli muoia con diritto a pensione. Il diritto dei familiar non è di natura ereditaria.”.

O balanço entre controle de atos, pesos e freios da Administração Pública como um todo é bem colocada nesta razão em decisão do Tribunal de Justiça do Distrito Federal: “O Judiciário coíbe excessos e vela pelo exercício legal dos direitos, sem afrontar o princípio da separação dos poderes. Ao Poder Executivo, nos limites da lei e com discricionariedade, cabe a concessão de permissões de uso e alvarás de funcionamento, bem como a revogação ou cassação de termos de uso que afrontem os supramencionados direitos coletivos: atua com Poder de Polícia, autoexecutoriedade e legitimidade presumida de suas decisões” . E do acórdão restou estes limites e imposição de respeito à ordem publica.

Envolvido este o STJ em discussão sobre a validade do ato administrativo que determinou a cassação da aposentadoria tendo em vista cassação da aposentadoria de policial militar da reserva remunerada quando excluído da corporação em face da prática de ato incompatível com a sua função. Destaca-se da decisão o reconhecimento de que a Corte da Cidadania “já firmou o entendimento pacífico no sentido de reconhecer a legalidade do ato administrativo que cancela os proventos de aposentadoria de policial militar da reserva remunerada quando excluído da corporação em face da prática de ato incompatível com a sua função, desde que submetido a regular processo administrativo, o que se deu no caso em exame”.

Tal decisão, assim como outras verificadas, reconhece que uma vez observados os princípios do contraditório e da ampla defesa, tudo em consonância com o texto constitucional, não cabe alegação de violação do devido processo legal.

Em ação constitucional na qual o réu impugnava o ato administrativo que cassou o Termo de Permissão de Uso, o Tribunal de Justiça do Distrito Federal assim decidiu:, julgou a: “Comprovou-se que o particular exercia atividade de quiosque em área pública e foi autuado por diversas vezes, não há qualquer irregularidade na cassação da sua permissão, mormente porque fora regulamente notificado de todas as infrações e lhe dada a oportunidade de se defender e recorrer”. Extrai-se importante ponto da ratio, o fato de que até mesmo antes da cassação do ato, ao administrado foram ofertadas alternativas de defesa e recurso.

O Tribunal de Justiça do Mato Grosso, de forma bastante direta, reconheceu irregularidade na cassação dos atos administrativos de embargo e interdição da instalação da torre de transmissão, tendo em vista que a construção foi sobrestada por força de ato administrativo da Secretaria Municipal de Meio Ambiente. Os desembargadores entenderam prover o recurso tendo em vista que “leitura do Auto de embargo e interdição mostra que a suspensão da obra se deu pela falta de alvará de construção e da licença ambiental.”.

E reforçam que “imprescindível a outorga pela Agência Nacional de Telecomunicações – ANATEL para exploração do serviço”, e que “equipamentos a serem fixados na torre operarem em baixa frequência, semelhantes a equipamentos, que são dispensados de licença ambiental pela Secretaria de Meio Ambiente Municipal” e nestes termos, o ato da Secretaria Municipal “está caracterizado pelo excesso e pelo desvio de poder, atingindo frontalmente o direito liquido e certo da empresa agravante que se encontra impossibilitada de continuar a instalação da torre”.

No tocante, por exemplo, a direitos de propriedade intelectual, assim decidiu o Tribunal de Justiça de São Paulo: “não compete a este Juízo comum estadual analisar a possibilidade ou impossibilidade de registro da palavra “campeão”, “por ser palavra de uso cotidiano”, uma vez que, concedido o certificado de registro de marca pelo INPI, cumpre à própria parte, administrativamente, ou, ainda, judicialmente, no Juízo Federal adequado, buscar a cassação do ato administrativo declaratório, que, inclusive, detém presunção de legalidade”.

IV. À Guisa de Conclusão

A temática exposta decorre do próprio princípio da legalidade, norte da motivação e validade da atuação publico-privada. Para Bandeira de Mello, o princípio é “basilar do regime jurídico-administrativo, já que o Direito Administrativo (pelo menos aquilo que como tal se concebe) nasce com o Estado de Direito: é uma consequência dele. É o fruto da submissão do Estado à lei. É, em suma: a consagração da ideia de que a Administração Pública só pode ser exercida na conformidade da lei e que, de conseguinte, a atividade administrativa é atividade sublegal, infralegal, consistente na expedição de comandos complementares à lei.”.

A lição de Hely Lopes Meireles alerta, ainda, para importante respeito ao devido processo legal e direito de defesa – constitucionalmente garantidos, ao lado do direito de petição. Em suas palavras “A audiência do interessado é sempre necessária na extinção dos atos negociais vinculados e definitivos, à semelhança do que ocorre’ nos processos judiciais em que se visa desconstituir situações jurídicas geradoras de direito individual subjetivo, pois, como advertiu Eduardo Couture: “Nunca habrá justicia, si, habiendo dos partes, solo se ha oido la voz de una.”.”.

Vale reforçar que a Administração Pública tem constitucionalmente garantido seu poder de revisar os seus próprios atos ilegais. Este poder “non incontra alcun limite nei diritti od interessi spettanti ad aitri soggetti, perche sopra gli atti invalidi non pua basarsi nessun diritto o tutela giuridica. Gli effetti dell’annullamento decorrono sempre ex tunc, perche, quando un atto sia riconosciuto vizjato, deve essere eliminato fino dai momento della sua formazione.”.

Em suma, aplica-se a cassação do ato administrativo sempre e quando o administrado deixa de cumprir com os requisitos que deveria permanecer atendendo, a fim de poder continuar desfrutando da situação jurídica.

 

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